Relação comercial entre produtores de leite e laticínios tem solução

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Olá, bom dia.

Prezados produtores, indústria de laticínios e demais interessados pela Cadeia Produtiva do Leite.

O artigo que se apresenta é uma fração de minha Dissertação de Mestrado, a qual teve por objetivo propor um modelo de gestão e estratégias para calibrar o relacionamento comercial entre produtores de leite e laticínios, de maneira que se organize a transação entre ambos e sinalize alternativas para profissionalizar a cadeia produtiva do leite.

Todo relacionamento comercial exige dos agentes envolvidos maior entendimento e participação no processo contínuo de compra e venda. Compreender a responsabilidade de cada agente, bem como a dinâmica dos mercados e as variáveis dos ambientes mercadológicos são motivos para a construção de estratégias operacionais que facilitem o relacionamento comercial, ou o próprio estreitamento da relação entre os elos envolvidos, sem deixar de lado seus interesses e objetivos individuais, até porque, é o que os mantém competitivos no mercado, mas é preciso que as relações comerciais se tornem integrantes das estratégias operacionais, resultando em relações mais próximas, ou seja, fornecedor – comprador e vice versa.

Como ambos os envolvidos possuem seus interesses, nesse caso comerciais, é importante destacar a importância do grau de colaboração presente no relacionamento. Essa colaboração pode ser resultado de ações desenvolvidas pelas empresas, pelos comportamentos adotados, pela busca dos objetivos traçados e, por fim, a inovação na forma de estreitar a relação comercial entre os elos econômicos, nesse caso entre produtores e laticínios.

A responsabilidade e profissionalização do relacionamento acentuam-se quando o produto em questão é um alimento fundamental ao ser humano, como é o caso do leite, um dos alimentos mais completos disponíveis ao homem, o qual fornece uma série de nutrientes e pode ser consumido in natura, ou através de seus derivados vindos de processos industriais.

Destaca-se que o leite e seus derivados pertencem a uma das principais cadeias produtivas dentro do agronegócio, agregando um amplo espectro de inter-relações e interdependências produtivas, tecnológicas e mercadológicas, configurando um sistema, onde os agentes transacionam em prol de oferecer alimentos e fibras ao consumidor final. Entretanto, antes a isso, combina elementos e/ou agentes que se inter-relacionam, mesmo com comportamentos distintos, como também outros setores, organizações e o ambiente institucional.

O relacionamento próximo e profissional entre os elos da cadeia produtiva do leite adquirem importância mediante os números da atividade. Com produção superior a 30 bilhões de litros e VBP de quase R$ 23 bilhões em 2013, a produção leiteira se apresenta como uma das principais atividades dentro do agronegócio e da economia nacional, exercendo seus papéis social e econômico, considerando apenas a produção comercial, que está presente em mais de 500 mil propriedades no Brasil.

O mercado do leite é caracterizado como um oligopsônio, onde se tem de um lado muitos produtores de leite desprovidos de informações ou baixo acesso a estas, que iniciam na atividade leiteira de maneira informal, sem poder de barganha, suporte e assistência. Do outro lado, a existência de poucas indústrias, as quais impõem seus interesses, determinando inclusive o preço por litro de leite, mesmo que por vezes atuem conforme o mercado.

Mediante o exposto, agravado em momentos de queda do preço, por vezes natural ao mercado, é que afloram os comportamentos, na maioria das vezes oportunistas de ambas as partes, que singularizam a relação comercial entre produtores de leite e laticínios. Pode-se dizer que as atitudes tomadas na maioria das vezes são em tempo presente, não se preocupando, mas sim impedindo que se crie valor ao longo do tempo, ou seja, uma parceria duradoura, e até mesmo a fidelização do produtor junto a indústria.

Dentro desse cenário, a migração de produtores entre laticínios é saliente, desestimulando iniciativas que aliviem a rotatividade, e organizem as relações comerciais entre os agentes envolvidos diretamente na atividade leiteira.

O construto do estudo foi ao encontro disso, e tem em sua intenção central a busca pelo alinhamento do relacionamento comercial entre produtor e indústria de laticínios, aproximando, organizando e profissionalizando as transações entre ambos. Dessa forma, pode-se desenvolver um modelo de gestão que proporcione maior rentabilidade ao produtor e indústria; melhore a eficiência produtiva; ocasione a produção de leite dentro dos padrões estabelecidos e derivados de valor agregado; traga maior lucratividade e capacidade de investimento; impulsione qualidade de vida ao produtor; desenvolvimento de novos produtos pela indústria; e maior competitividade para ambos os mercados interno e externo.

Para a melhor compreensão da relação entre o produtor de leite e laticínio, mas principalmente buscar condições para projetar estratégias que vise à profissionalização desta relação comercial, é que este estudo se efetivou na Região Sudoeste do Paraná e se construiu com base em uma pesquisa quantitativa, porém complementada com análises qualitativas e respaldada por pesquisa bibliográfica, tendo a sua frente e como Teoria central a Economia dos Custos de Transação – ECT, que em sua essência diz que as empresas não podem ser vistas apenas pelos seus custos de produção, mas sim devem ser analisadas pelos seus custos de transação, seja a montante ou a jusante.

Participantes de um único e complexo sistema, cada agente têm suas individualidades, objetivos e interesses particulares, com mais ou menos condições de barganha e oferta, transacionando entre si, e formando a cadeia produtiva do leite brasileira, que ainda necessita de profissionalização, e de regulação nas relações comerciais, além de politicas públicas mais presentes e efetivas.

Os efeitos decorrentes dessa falta de coordenação influenciam no relacionamento comercial entre os principais agentes da cadeia produtiva do leite: produtor e laticínio. Isso ficou evidente durante a realização do estudo, contribuindo para a rotatividade dos produtores entre as indústrias e levantando uma possível causa do índice acentuado de falências de laticínios na região Sudoeste do Paraná, o que tem deixado muitos produtores no prejuízo.

Em linhas gerais, o produtor de leite atua “dentro da porteira”, sendo o principal fornecedor de matéria-prima. Dentre os pesquisados, identificou-se que não possuem sistemas de controle e de gestão, nem mesmo noção dos custos de produção, muito menos da lucratividade vinda da atividade. Também, são limitados na tomada de decisões, devido falta de informações, atuando de forma empírica por questões culturais. Buscam assistência somente quando da necessidade de tratamento de algum animal do rebanho e depois de realizadas as tentativas “caseiras”.

A atividade leiteira nas propriedades visitadas é vista de duas formas: como complemento de renda ou uma espécie de salário mensal, e como fonte de renda – em algumas propriedades. Entretanto, observou-se que o leite passa a ser fonte de pagamento de contas e financiamentos diluindo assim o montante recebido pela produção, fazendo com que o produtor, atrelado à falta de gestão e controle de custos, não conta com lucros vindos da atividade.

Como reflexo disso, origina-se a busca contínua por preços melhores no litro de leite, geralmente “centavos a mais”, o que caracteriza oportunismo cognitivo, devido à incapacidade de decisão racional e de prever o que pode acontecer no futuro. São ainda dependentes de ações do governo, principalmente financiamentos, aumentando seu grau de endividamento.

A indústria de laticínios exerce seu papel “após a porteira” e sua principal função é transformar o leite cru em derivados, entre os dominantes – queijos, cerceados por commodities como muçarela, ricota e prato.

Mesmo as firmas dizendo que pagam benefícios pela qualidade do leite, na prática, não foi o que se observou. Até pela falta de procedimentos, políticas comerciais definidas e claras para tal, desmotivando os produtores a adotarem essa forma de recompensa.

Outro item que gera dúvidas é a formação do preço final por litro de leite, o que realmente compõe o valor pago ao produtor. Algumas firmas dizem seguir os parâmetros do Conseleite, Outras dizem apenas observar o parecer do conselho, mas decidem seguindo os seus preceitos. Na realidade, constatou-se que ambas acabam por pagar o que o mercado está pagando, adequando-se ao que os demais laticínios estão oferecendo, talvez para não perder o produtor e seu leite.

É uma situação que acaba estimulando o oportunismo visto nos produtores. Em complemento a isso, verificou-se que a não percepção e recebimento de outros proventos faz com o que o preço por litro de leite se torne o único elemento de negociação entre produtores e laticínios.

O preço por litro de leite praticado e identificado, durante o período da pesquisa (Dezembro/ 2013 a Fevereiro/ 2014) foi de ($0,4317 ), ficando próximo das médias estadual ($0,4631 – diferença de 7,27%) e nacional ($0,4709 – diferença de 9,09%); sendo que os produtores receberam em média geral R$ 0,9433 (líquido) por litro de leite em 2013, variando entre R$ 0,92 a R$ 0,96 entre as indústrias pesquisadas. Percebe-se que a diferença não é gritante entre as médias, porém comprova que a disputa está nos centavos “a mais”, e que a interpretação do produtor pode fazer a diferença ao final de um período.

Em meio a esses cenários, nota-se a elevada assimetria de informação. De um lado as firmas, que representam ter medo de explicitar tais informações, como a formação do preço. Na outra ponta, o produtor acomodado.

De qualquer forma, as firmas pesquisadas precisam de maior conhecimento, no que diz respeito a gestão da carteira de produtores (não possuem), definindo regras e procedimentos, criando ferramentas para se aproximar e diminuir as incertezas junto ao seu principal fornecedor de matéria-prima, não importando se o contato com o produtor é direto ou indireto. Por outro lado, é preciso eliminar a dependência identificada em relação aos freteiros/transportadores. Observou-se que existem indústrias totalmente dependentes desses, e ainda, outra situação observada, foi que os laticínios deixam para o freteiro a responsabilidade do contato e, muitas vezes, a negociação com o produtor. Em muitos casos, o freteiro atua de maneira spot no mercado: ele que negocia e compra o leite do produtor, reunindo certa quantidade, e na sequência – como se fosse um leilão – repassa aos laticínios.

Em sua grande maioria, as indústrias não prestam assistência técnica veterinária aos produtores. Estes acabam buscando, quando necessário, por conta própria. Entretanto, ambas as firmas possuem técnicos, digam-se, compradores. Suas funções se restringem em negociar a compra do leite, para não dizer o preço, e por vezes, os técnicos visitam os produtores no intuito de motivá-los a permanecer na atividade e, a continuar vendendo para o laticínio.

Tais situações levam a constatar que as firmas pesquisadas fazem o processo inverso, isto é, correm para tentar resolver prejuízos vindos da falta de profissionalização, coordenação e gestão da sua cadeia de suprimentos, aumentando assim seus custos, inclusive os de transação e diminuindo sua capacidade ofensiva, e preeminência competitiva.

As firmas pesquisadas são limitadas em suas decisões, exemplo disso é a inexistência de programas de cursos e treinamentos, departamentos de assistência técnica, melhorias no contato com o produtor, e procedimentos que transformem, por exemplo, o freteiro em ponto estratégico na relação comercial com o produtor.

Devido à posição dentro da cadeia produtiva, as indústrias contribuem para a assimetria de informação, agindo de forma oportunista moral, de acordo com seu interesse e conforme o mercado. Acreditam não depender do produtor, mas o disputam.

Como consequência dos cenários identificados e das variáveis constatadas, percebe-se um relacionamento distante e truncado entre produtores de leite e laticínios, que medem forças e acabam por aumentar seus custos de transação.

Provavelmente, a falta de uma visão empresarial, de gestão e de conhecimento faz com que o produtor peregrine entre laticínios, procurando por preço melhor, ao invés de se ater à melhoria da sua atividade. Como fator agravante, tem-se a ausência, por parte das indústrias, de estratégias que aproximem e mantenham o produtor dentro do laticínio, de forma que se diminuam as incertezas e aumente a frequência das transações.

Feita a pesquisa e análise, chegou-se a quatro áreas que devem ser observadas e trabalhadas para o fortalecimento do relacionamento comercial entre produtores e laticínios: assistência técnica; institucionalização do pagamento de benefícios pela qualidade do leite, valorizando o produtor financeiramente; apoio na tomada de decisão e acesso a produtos e serviços, bem como suporte a maximização desses; por fim, cursos e treinamentos.

A intenção do modelo de gestão proposto é profissionalizar a relação de troca entre os produtores de leite e laticínios, resultando na atenuação dos custos de transação. Para tanto, sua construção derivou das áreas citadas e se alicerçou sobre dois blocos. No primeiro (roxo) estão as estratégias sugeridas para os laticínios. O segundo (verde) são estratégias indicadas para os produtores, na intenção de melhoria interna e própria, no intuito de corresponder ao planeado pelos laticínios.

É exequível dizer que o estudo aqui exposto e o modelo de gestão sugerido são aplicáveis dentro da cadeia produtiva do leite, seja individualmente em cada agente, seja no sistema como um todo; logicamente demandando as devidas adequações para cada configuração de empresa (pública, privada ou cooperativa) e produtor.

Sua importância e aplicabilidade se enaltecem pela necessidade de profissionalização da atividade no Brasil, no sentido de se diminuírem os gaps existentes, como por exemplo, inexistência de preço mínimo; ausência de contratos (regulação) entre os agentes; prevaricação na aplicação das normativas de padronização e qualidade do produto (leite cru); distanciamento entre indústria e produtor; déficit da balança comercial de lácteos; supressão de apoio da indústria para o produtor e outros.

O novo modelo de gerenciamento das transações traz consigo dois objetivos diretos. O primeiro é fortalecer o relacionamento comercial entre produtores e laticínios, de modo que gere fidelização entre ambos. O segundo é amenizar a preocupação com o preço do litro do leite, substituindo a procura dos “centavos a mais”, por eficiência produtiva.

Em síntese, o modelo é aplicável na cadeia produtiva do leite, até como iniciativa para a profissionalização e perpetuação da atividade leiteira, até porque exige ativos altamente especializados, tanto para o produtor, quanto para a indústria. Por isso, é conveniente a potencialização dos recursos e a obtenção de retorno suficiente e regular, tornando a atividade viável e rentável, proporcionando condições de melhorias no processo, desenvolvimento de novos produtos, especialização do rebanho, uso de tecnologias e outros investimentos.

Isso faz parte do escopo do modelo de gestão, a começar pela consumação da profissionalização de ambos os agentes, produtor e indústria, e de seu relacionamento comercial.

Assim como os produtores, os laticínios devem agir com disciplina e obediência ao que planejado e implantado for. Para isso, é imprescindível uma mudança de cultura organizacional, passando-se a ter atitudes proativas, visão estratégica, posicionamento e consciência de inovação, em resumo, mudança institucional para ambos.

A exempli gratia, implantação de contratos. Definindo-se preço mínimo por litro de leite, ajustado ao fim de um período preestabelecido, naturalmente acertando parâmetros de quantidade, qualidade, benefícios, retornos e demais pontos necessários e prescritos para correta e efetiva coordenação. Até mesmo punições, no caso de falhas e quebras de contrato.

Nas entrevistas com os gestores das firmas, observou-se que ambas se permeiam acreditando que os produtores dependem deles para produzir, o que se mostrou inverdade pela ótica do produtor, uma vez que 70% do estrato pesquisado citaram não depender do laticínio, mas dependem do leite para “sobrevivência”, comprovando o leite como gerador de renda mensal (salário).

Esse cenário acoberta a importância da atividade leiteira e mostra a necessidade de coordenação na cadeia produtiva do leite. Sendo assim, é possível dizer que o modelo de gestão apresentado e relatado é relevante e aplicável tanto na indústria, quanto no produtor e entre ambos. Do mesmo modo, pode ser implantado em e entre outros agentes da atividade leiteira, bem como em outras cadeias produtivas, com os devidos ajustes.

O estudo aqui apresentado não tem por intenção encerrar o assunto e discussão, pelo contrário, é motivar outras iniciativas no mesmo sentido e contexto, enaltecendo e colaborando com o estado da arte.

Novos estudos podem ser desenvolvidos no sentido de aperfeiçoar o modelo de gestão proposto, como por exemplo, tratar questões ou variáveis mais quantitativas, inserir os demais agentes que compõem a cadeia produtiva do leite, desenvolver métodos de controle e aferição quando da implantação do modelo. Assim, contribuir-se-á para a organização da atividade leiteira, no intuito de reduzir o conflito de interesses e maximizar a eficiência econômica e o valor para os envolvidos.


Reportagem escrita por: Jamir Rauta

Reportagem retirada em: http://www.milkpoint.com.br/cadeia-do-leite/espaco-aberto/relacao-comercial-entre-produtores-de-leite-e-laticinios-tem-solucao-94179n.aspx

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