Dr. Joaquim da Silva Pereira, 50 anos de medicina, muitos deles, dedicados em prol de São Gotardo

Foto Capa: José Eugênio/Jornal Daqui
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Dr. Joaquim da Silva Pereira nasceu em um distrito da zona rural do município de Prata, no pontal do Triângulo mineiro, no ano de 1939. Ainda criança o filho de família humilde viu despertar o gosto pela leitura e conhecimento. As limitações impostas pela precariedade financeira e o isolamento não o impediram de traçar, pelas próprias mãos, a realização de um sonho, de um dia ser doutor.

Hoje, no alto de seus 79 anos de idade, mantém a mesma lucidez de um jovem de 20 anos. De seu baú da memória relembrou, como se hoje fosse, cenas e capítulos que marcaram de maneira definitiva a sua história de vida, e principalmente dos 50 anos de carreira com médico, completados no final do ano passado. Profissionalmente atuou e ainda atua como anestesista, clínica geral, obstetra. É casado com Elaine. O casal tem três filhas: Rita de Cássia, Alessandra e Daniella.

Dr. Joaquim é o profissional mais longevo em atividade aqui na cidade de São Gotardo. Mais que testemunha ocular inscreveu seu nome como personagem decisivo no processo de evolução o sistema de atendimento da saúde do município. Em reportagem especial ao jornalista José Eugênio, do Jornal Daqui, jornal impresso de São Gotardo, o médico contou e relembrou os melhores momentos de sua carreira.

Em forma de respeito e homenagem, o Portal SG AGORA trás a entrevista publicada na última edição do Jornal Daqui.

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Confira a entrevista completa cedida ao Jorna Daqui:

As condições do meio onde nasceu não eram muito favoráveis. Como foram aqueles primeiros anos lá no sertão do Triângulo Mineiro?

O primeiro contato com a escola só se deu quando já tinha 10 anos. Até então, meu único contato com o estudo se dava em casa. Minha mãe tinha muita paciência quando insistia pra eu decifrar as palavras escritas no único livro de manuscrito que tinha em casa. Toda a minha família era de analfabetos. Em raras exceções um ou outro chegava ao 3º ano primário. Aos 10 anos tive o primeiro contato com a escola. Como já sabia ler, ingressei no 2º ano de grupo. Pra cobrir minhas despesas trabalhava em serviços gerais, uma espécie de office-boy rural. Entrei no ginásio graças a uma bolsa de estudos e o apoio de um vereador amigo da família lá da cidade do Prata. Concluídos os quatro anos no ginásio retornei pra casa de meus pais, e sem perspectivas comecei a trabalhador com a lida na roça. E um belo dia recebi uma proposta do prefeito de uma cidade vizinha pra lecionar em um vilarejo da redondeza, que nem escola tinha. Trataram de construir um rancho, coberto com folha de Bacuri, pra servir de escola. Lá dei aula por 4 meses, tempo suficiente para me destacar com os resultados obtido. Esta breve experiência me abriu novas portas como professor, chegando a le-cionar por mais algum tempo em escolas e fazendas da região. Acabei arrumando uma namorada por lá e por muito pouco não me casei.

Foi aí que surgiu o desejo de mudar pra cidade grande? Como se deu?

Minha avó, preocupada com meu futuro tratou de interceder: pediu a um tio da família pra me convencer a continuar os estudos, e foi o que eu fiz. Juntei as poucos economias que tinha e tracei um plano de me mudar, com a cara e coragem, pra Belo Horizonte. Peguei o ônibus em Uberaba, cidade grande que conheci pela primeira vez. Naquele tempo era tudo estrada de terra. No trajeto, seguindo rumo à estrada da Serra da Saudade que levava à capital mineira, o ônibus fazia uma breve parada em São Gotardo, onde pisei pela primeira vez – sem nunca imaginar que muitos anos depois seria a cidade que escolheria pra viver. Naquele tempo(1958) era uma cidadezinha sem qualquer atrativo. Me lembro que quando cheguei na rodoviária – era ali na praça São Sebastião – só via cambista e mendigo. Era uma tristeza só.

Como foram os primeiros meses na capital?

Chegando a Belo Horizonte, só com uma malinha e muita coragem, me hospedei em uma pensão indicada por um amigo lá da minha cidade. Me matriculei no Colégio Anchieta para concluir o ensino médio. Consegui arrumar um emprego em uma grande empresa de Belo Horizonte, a Souza Cruz, e com isso pude manter as despesas. Graças a minha boa caligrafia logo subi de posto, passando de office-boy a escriturário da empresa onde trabalhava.

Neste início já tinha claro a profissão que queria seguir?

Primeiro eu achava que queria ser engenheiro. Na verdade não sabia bem o que eu queria. O gosto pela medicina surgiu com a leitura de um livro escrito por um médico alemão. Prestei vestibular na UFMG no ano de 1963. Em 1966 consegui uma vaga pra trabalhar como residente em um hospital. Em 1967 conclui a faculdade e em abril do ano seguinte me casei com minha esposa Elaine. Foi uma fase muito especial na minha vida.

O início da Carreira

Antes de aportar em São Gotardo, Dr. Joaquim trabalhou por um período na região de sua terra natal, na cidade de São Simão. Levei o companheiro de profissão Dr. João Alves, que o acompanhou até o Estado de Goiás, onde chegou a trabalhar por um breve período. Contra-tempos encurtaram a nova aventura. Como Dr. João tinha parentes aqui em São Gotardo, vieram os dois pra cá.

A escolha de São Gotardo como destino profissional foi por acaso, correto?

Trouxeram minha mudança num caminhão. Vim por acaso. Dr. João que tinha vindo primeiro me disse que havia morrido um médico aqui, deixando uma clínica toda montada, e que já tinha alugado o espaço da viúva do médico( o médico em questão era Dr. Siqueira, que antes de falecer mantinha uma clínica ali no início da av. Rio Branco). Assim que ele me disse o nome da cidade, protestei, pois tinha guardado uma péssima impressão, da minha passagem por aqui alguns anos antes. São Gotardo não tinha mais que 10 automóveis na época. Em 1971, devido a desentendimentos entre meu colega Dr. João e farmacêuticos da cidade, passei a atender na cidade de Pimenta, onde fiquei por 14 meses. Em 1973 retornei a São Gotardo e assumi o comando da clínica novamente. Pouco tempo depois surge uma nova oportunidade.

Dr. Joaquim assume o desafio de colocar em funcionamento o novo hospital da cidade, a Santa Casa de Misericórdia. O prédio, recém construído, estava prestes a ser inaugurado. Era o ano de 1974.

Fui convidado para assumir o novo centro hospitalar. O chefe de obras era seu pai, o Vicente Moreira. Tivemos que fazer algumas mudanças na estrutura física para se adequar às necessidades de um Hospital. Eu fui o primeiro médico a atender lá. Em dezembro de 74, o presidente da Santa Casa era o Mério Rodrigues Alves. Ele teve papel fundamental na instalação dos primeiros equipamentos e na montagem da estrutura de funcionamento.

Neste mesmo ano o senhor já começou a trabalhar lá?

Nesse início de atividades, a Elce de Melo Borges, já em gestação adiantada, manifestou seu desejo de ser a primeira mulher a fazer o parto na Santa Casa. Seu desejo foi atendido e no dia 8 de dezembro de 1974, nasceu sua filha caçula, Luciana. Elaine, minha esposa, cuidou, no início, de suprir os primeiros utensílios, como panelas, cobertores, etc.

Nesta fase inicial, de onde vieram os recursos para manutenção e aquisição dos equipamentos?

Eu fiquei sabendo que o Hospital Pio XII recebia dinheiro através de convênio com o Funrural, de Cr$ 2 mil cruzeiros. Fui então por conta própria a Belo Hori-zonte na tentativa de firmar um convênio nas mesmas condições. Expliquei nossa situação e fomos prontamente atendidos, e mais, o diretor do orgão nos presenteou com um Raio X, uma mesa cirúrgica, um Autoclave e uma mesa de parto. Foram os primeiros equipamentos da Santa Casa, tudo doado. O presidente Mério, muito dinâmico e simpático, não tinha vergonha de pedir. Ele cuidou de conseguir, através de doação, camas, mesas, lençóis e várias outras coisas para equipar os quartos, escritórios e cozinha. Um belo dia, o Mério recebe do Biomédico Luiz Roberto Soares uma proposta de instalação de um laboratório de análises clínicas. Evidente que ele aceitou na hora.

Paulo Uejo chega a São Gotardo para atender na Santa Casa

No final de 75, início de 1976, O sr Edson Souza me disse que tinha um genro que estava concluindo residência em cirurgia e ele se interessava em vir pra São Gotardo. Aprovei na hora. Era Paulo Uejo. Ele chegou em setembro de 76. Começamos a trabalhar juntos, a partir de então.

Pouco tempo depois uma sequência de fatos termina por provocar a injusta saída de Dr. Joaquim da Santa Casa.

O dramático episódio foi mais um daqueles momentos em que a ingerência de interesses pessoais ignora os reais interesses de uma instituição assistencial, no caso em questão, a Santa Casa. Dr. Joaquim afirma ter sido vítima de uma armação arquitetada por um grupo que dirigia a Sociedade São Vicente Paula, teve como pivô o médico César mesquita, que havia se desentendido com os médicos do Pio XII, onde até então trabalhava. A trama é relembrada pelo nosso entrevistado:

No dia 27 de setembro de 1980 os cinco membros do conselho diretor da SSVP ( entidade responsável pela administração da Santa Casa) me fecharam em uma sala e anunciaram que eu estava “expulso” da Santa Casa. Um deles me disse: “Dr., o senhor não está entendendo, nós queremos que o senhor deixe São Gotardo, o povo aqui não te quer mais”. Eu realmente não entendi, eu acabava de sair da sala de cirurgia onde realizei uma Cesariana em uma cliente do Carmo do Paranaíba. Em momento algum recebi qualquer tipo de reclamação vinda do povo e principalmente de meus pacientes. Na verdade, a direção da SSVP estava sendo usada como marionete pelo Dr. César mesquita, que havia saído do hospital Pio XII devido a desentendimentos com o Dr. José Pessoa. Nesta reunião disseram também que eu não havia sido apedrejado na rua porque ‘conseguimos’ conter a multidão. Eu pensei, apedrejado? Eu ando pelas ruas da cidade e o que recebo são cumprimentos calorosos. Do povo de São Gotardo só recebi reconhecimento e o prazer de uma amizade sincera.

Desconsideraram o fato de o senhor ter tido papel relevante na inauguração da Santa Casa, então.

Eles me deram um ultimato para que deixasse São Gotardo até o dia 30 de setembro, ameaçando mandar me prender se eu oferecesse resistência. Durante esses três dias a população espontaneamente se mobilizou reunindo mais de oito mil assinaturas em um abaixo-assinado para que eu não saísse da Santa Casa, e muito menos, deixasse São Gotardo.

O caso ganhou contornos dramáticos. Virou caso de polícia?

No dia 30 o movimento pela minha permanência reuniu inúmeras pessoas na porta da Santa Casa, alguns, carregando faixas e cartazes. Naquele tempo a polícia proibia aglomerações de pessoas, pois ainda estávamos no período da ditadura militar. Na parte da tarde, com aquela movimentação toda, eu recebi a visita do Delegado da cidade. Ele colocou a mão no meu ombro e me disse: “Doutor, o senhor tem até as 8h para sair daqui da Santa Casa. Caso contrário terei que prendê-lo e entregar ao Dops(departamento de repressão dos militares) . Perguntei a ele qual acusação tinha contra mim. “Doutor, eu não tenho nenhuma acusação contra o senhor, eu apenas recebo ordens”, ele respondeu. E nesse tempo a manifestação foi crescendo e tomou conta de toda a rua em frente a Santa Casa. Com isso, já no final do dia, chegou um grande contingente da Polícia Militar, na tentativa de dispersar a multidão. Eu contei vinte policiais armados em vota do quarteirão. Duas viaturas permaneceram nas imediações por dois dias.

A saída da Santa Casa

Como eu fui ameaçado de ser preso, não me restou outra alternativa senão sair. Neste intervalo de tempo o Dr. José Pessoa me chamou pra uma conversa e me convidou para trabalhar no Hospital Pio XII. Fiquei muito feliz com convite e aceitei imediatamente. Em dezembro de 1980 montei meu consultório e estou aqui até hoje.

A nova casa

Aqui no Pio XII me senti em casa, fui muito bem recebido pela equipe médica que já atuava aqui, o Dr. Gilson, Dr. Jair, Dr. Romes e o próprio Dr. José Pessoa que presidia o hospital. Com o passar do tempo, em sinal de reconhecimento fui convidado a fazer parte da diretoria.

Não apenas pelo fato de ter sido acolhido em um momento difícil pelo qual eu estava passando, quando fui afastado da Santa Casa, mas por todos esses anos de amizade e respeito, eu tenho uma eterna gratidão por esta grande família que é o Hospital Pio XII. O ambiente de trabalho aqui é muito saudável.

 

Reportagem: José Eugênio/Jornal Daqui / Foto Capa: José Eugênio/Jornal Daqui / Fonte da Reportagem e Apuração da Reportagem: José Eugênio/Jornal Daqui/Dr. Joaquim da Silva Pereira

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3 Comentários “Dr. Joaquim da Silva Pereira, 50 anos de medicina, muitos deles, dedicados em prol de São Gotardo”

  1. Geni disse:

    Foi da minha época nunca vi um médico ter tanto amor com os paciente ele era guardado nas minha lebracas e no meu coração pra sempre sem palavra pra descrever o DR Joaquim

  2. Renata disse:

    Ele e otimo
    So sabe medir a pressão arterial kkkk
    E todas dão 12/8
    Tenho ate preguiça de um medico assim sem falar que
    Ele e somente a favor dos empregado.

  3. Demétrio disse:

    Doutor Joaquim, senhor de idade avançada que hoje eu Demétrio Rangel, agradeco muito a ele , pois se não fosse a esperiencia e seu compromisso pela vida meu amado pai não estaria mais vivo. Lembro quando tivemos o surto de febre amarela, vários médico avaliaram meu pai e o único a dizer: Corre com seu pai meu filho, aqui nem patos conseguirá ajudar. Não duvidei de sua experiência e após quase trinta dias de internação em BH, meu velho pai voltou. Louvo a Deus por sua vida. Deus abencoe.a

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