Com Brasil em baixa, mercado de trabalho é afetado e crise do desemprego volta

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Os principais pilares que seguravam a economia brasileira se deterioraram fortemente em 2014: os investimentos, o consumo e as exportações. O único remanescente era o emprego, do qual os governos petistas sempre se gabaram para justificar suas políticas econômicas heterodoxas. Mas, tudo indica, o cenário mudou. Ocorre que a taxa de desemprego, que terminou 2014 em sua mínima histórica de 4,3%, vinha sendo sustentada não só pela criação de vagas, mas também pela grande quantidade de brasileiros em idade ativa que não procurava trabalho. Com o aperto nas regras do seguro-desemprego anunciado no apagar das luzes de 2014, muitos devem voltar à procura. Contudo, dados coletados pela Fundação Getulio Vargas a pedido do site de VEJA mostram que esses brasileiros não encontrarão boas notícias. O indicador de ‘emprego futuro’ de janeiro de 2015, que apura a confiança da população em relação ao trabalho, atingiu seu pior nível desde o início de 2009. Em um ano, acumula queda de 24%.

Demitido em dezembro do ano passado, o relações públicas Rafael César, de 31 anos, não tem poupado esforços para se recolocar no mercado de trabalho. “Chego a mandar 20 currículos por dia, incluindo carta de apresentação, até para áreas fora da comunicação, como a comercial”, afirmou o paulista de Taubaté, que atuou durante quatro anos numa grande empresa de telecomunicações. “Com a queda nas vendas, o departamento comercial inteiro da companhia foi mandado embora”, conta. A justificativa para os desligamentos, segundo ele, foi a de corte de gastos e baixos resultados financeiros.

A situação de Rafael é emblemática e reflete como a desaceleração do consumo, motivada por inflação alta e a atividade econômica fraca, impacta o mercado de trabalho. Em 2015, ano que em que o próprio governo espera um crescimento zero e a inflação já supera os 7% – bem acima do teto da meta oficial, de 6,5% – a expectativa é de que o emprego seja penalizado. O levantamento feito pela FGV mostra ainda que o indicador que mede a expectativa de contratação dos empregadores da indústria, do setor de serviços, da construção civil e do comércio despencou abaixo dos 100 pontos, ante os 110 pontos verificados um ano atrás, e os 140 de janeiro de 2010. “Em 2015, a geração de empregos formais tende a ficar anêmica, já que também é um ano de ajustes pesados e necessários na economia”, diz o professor José Pastore, da Universidade de São Paulo (USP), um dos maiores especialistas em mercado de trabalho do país.

Resultado dessa deterioração de expectativas é a desaceleração no ritmo de criação de vagas. Em 2014, o país criou 396.933 postos, o pior resultado desde 1999. Por setor, a indústria de transformação foi a que mais demitiu: cortou 163.817 empregos. Já o setores de serviços e comércio abriram, respectivamente, 13% e 40% vagas a menos na comparação com 2013. “Em setores em que as demissões superam as contratações, como indústria e construção, os números devem continuar no terreno negativo. Já nos setores em que as contratações superam as demissões, como comércio e serviços, a tendência é de um menor ritmo de admissões”, afirma Aloisio Campelo, do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).

As notícias de demissões, que começaram no ano passado, são muitas. Só as montadoras demitiram 12,4 mil trabalhadores em 2014. No setor de autopeças foram 19 mil cortes. Os bancos também já dispensaram 5 mil postos de trabalho no ano passado, segundo pesquisa da Confederação Nacional dos Trabalhadores do Ramo Financeiro (Contraf). Para este ano, o cenário que se desenha não é animador. A associação dos fabricantes de veículos, Anfavea, relatou que mais de 12 mil vagas já foram extintas no setor apenas no primeiro mês do ano.

Segundo especialistas, a taxa de desemprego deve começar a sentir o impacto da crise já nos primeiros meses deste ano, já que muitas pessoas que desistiram de procurar emprego devem tentar voltar a um mercado desaquecido e sem tantas oportunidades. Com isso, o indicador deve subir para um patamar acima de 6%, no caso da Pesquisa Mensal de Emprego (PME), e de 8% considerando a Pnad Contínua, que foi recentemente adotada pelo IBGE para medir a temperatura do mercado de trabalho. A professora e pedagoga paulistana Sara Palma, de 30 anos, já contribui para esta elevação. Demitida de uma distribuidora de petróleo em dezembro, onde trabalhava na área de formação educacional, ela tenta voltar a atuar na área, mas ainda não conseguiu se recolocar devido às dificuldades do mercado. “Percebo que houve um aperto nas contas, que tem tudo a ver com o momento delicado da economia. Muitas universidades e colégios particulares se reestruturaram e estão reaproveitando o pessoal interno, para produzir mais com menos”, diz.

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O pessimismo em relação à economia é reforçado pelos baixos índices de confiança, de empresários a consumidores, que atingem mínimas recordes. Dados do Ibre/FGV mostram que a confiança do consumidor atingiu em janeiro o menor patamar da série histórica, que começou em 2005. Na mesma linha, os índices de confiança do comércio e de serviços também alcançaram os menores patamares históricos no primeiro mês do ano. “Na cabeça de empresas e consumidores, a percepção é de continuidade do cenário de atividade fraca. E o ‘mais do mesmo’ causa um desapontamento, já que não se vislumbra uma luz no fim do túnel”, afirma Aloisio Campelo, economista da FGV.

Da perspectiva das empresas, a estratégia tem sido aumentar o rigor na hora da contratação. “Como as coisas estão mais difíceis, as companhias não podem errar no processo de seleção. Cada recurso é um investimento, então as empresas querem fazer a admissão certeira, já que não há mais margem para investir tanto na qualificação do funcionário”, ressalta Leonardo de Souza, diretor-executivo da Michael Page. “Não terá muito espaço no mercado para profissionais menos qualificados. As contratações estão mais direcionadas para uma posição-chave”, acrescenta Alessandra Zambroni, consultora da DM Executivos, do grupo Cia. de Talentos.

Água e energia – A crise hídrica, que afeta especialmente a região Sudeste, pode respingar no mercado de trabalho. Entre os setores mais vulneráveis, segundo José Pastore, estão o comércio e as indústrias de alimentos, têxtil, de cimento e papel e celulose, que podem sofrer um aumento de custos. Deve-se considerar, no entanto, que grandes empresas podem estar menos expostas à falta d’água. Isso porque muitas delas já investiram em alternativas, como o abastecimento privado e reuso de água, para evitar um impacto maior. Além disso, muitas têm plantas em diversos Estados do país, e não dependem exclusivamente do Sistema Cantareira, que fornece água para São Paulo e quase metade de região metropolitana. Irineu Carvalho, do Itaú BBA, também cita os setores de hortifrúti, restaurantes e hotéis. “Para um restaurante, um poço artesiano sai caro, então ele vai depender de caminhões pipa”, diz.

No caso da crise energética, o impacto é generalizado e ameaça todos os setores econômicos. Carvalho pondera, no entanto, que as consequências podem ser mais amenas do que as vistas no apagão de 2001, quando houve um corte de fornecimento na casa dos 20%. Para este ano, a previsão do banco é de que ocorra uma redução de até 10%, resultado, sobretudo, dos investimentos em interligação dos sistemas.

Petrobras – Os analistas também manifestaram preocupações em relação a prestadoras de serviços da Petrobras, em meio às denúncias de desvios de recursos investigadas pela Operação Lava Jato, da Polícia Federal (PF). No conjunto, estima-se que apenas em novembro do ano passado, foram fechados 10 mil postos de trabalho entre fornecedoras e companhias contratadas em empreendimentos como as refinarias do Comperj, no Rio de Janeiro, e de Abreu e Lima, em Pernambuco. “As denúncias de corrupção e o risco de insolvência afeta diversas empresas, que podem continuar reduzindo seu quadro de funcionários. Isso deve acelerar de forma significativa em 2015”, prevê Pastore.

Reportagem: VEJA ABRIL

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