Queiroz segue como pivô de escândalo e renasce como o “PC Farias de Bolsonaro”
Se Glauber Rocha ressuscitasse e retornasse às terras brasileiras atuais, poderia pensar que aqui ainda se vive sob a égide de “Terra em transe”, seu filme em preto e branco de 1967, que se desenvolve num país imaginário, Eldorado, onde um político populista ganha as eleições, mas suas ligações com latifundiários o faz quebrar suas promessas eleitorais, mandando soltar policiais contra o povo. Desiludido, um de seus mais fiéis colaboradores se lançou a uma vida de orgias e de náusea existencial.
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E é esse protagonismo do narrador do filme de Glauber que está sendo encarnado agora por Fabrício Queiroz , ex-motorista do senador Flávio Bolsonaro , e amigo do presidente Jair Bolsonaro há 40 anos. Ele ressurge do esconderijo em que se encontra há 10 meses para demonstrar que pode estar se transformando em um homem bomba com potencial para detonar o governo dos amigos aos quais serviu por décadas, num papel muito semelhante ao que o empresário PC Farias representou para o governo Collor em 1992.
Em áudios de WhatsApp, o ex-motorista de Flávio reconhece que ele pode ser o pivô de um escândalo a abalar a República, ao afirmar que se sente abandonado pelo clã bolsonarista. Para ele, o Ministério Público tem em seu poder informações suficientes para “enterrar uma pica do tamanho de um cometa na gente” e, mesmo assim, não vê “ninguém agindo” para defendê-lo: “Eu não vejo ninguém mover nada para tentar me ajudar aí”.
Espalha-brasas
A rigor, Queiroz reconhece que a Justiça tem munição não apenas para detoná-lo, mas também para queimar os que estão ao seu redor. Em outro momento, a narrativa do ex-motorista de Flávio reforça a tese de que se algo lhe acontecer, familiares do presidente também podem ser atingidos. Por isso, talvez, parece pouco preocupado com as investigações que o pegaram desviando dinheiro dos funcionários do gabinete do senador no tempo em que foi deputado estadual no Rio.
Sarcasticamente, diz que “até demorou” para as investigações chegarem nele. “Esses depoimentos, cara, eles vão lá e pegam mesmo, esses filhos da puta, rapaz. Até demorou a pegar. O Agostinho (já) foi depor no dia 11 de janeiro”, afirma o ex-motorista e ex-policial militar nos áudios divulgados. Agostinho Moraes da Silva, ex-funcionário do gabinete de Flávio, é uma testemunha que confirmou ao MP carioca que depositava dois terços do seu salário na conta de Queiroz, no esquema conhecido como “rachadinha”.
Os áudios mostram ainda que, ao contrário do que o Palácio do Planalto diz, o ex-motorista tem mais poder do que se imagina. Nas trocas de mensagens, Queiroz diz que, tão logo resolva os problemas que enfrenta na Justiça, voltará com tudo à vida política . “Resolvendo essa pica que está vindo na minha direção, vamos ver se a gente assume esse partido aí. Eu e você de frente aí. Lapidar essa porra”.
O ex-assessor dos Bolsonaros se coloca à disposição do presidente para ajudá-lo. “Politicamente, eu só posso ir para o partido. Trabalha isso aí com o chefe. Passando essa ventania aí, ficamos eu e você de frente. A gente nunca vai trair o cara. Ele sabe disso. E a gente blinda legal essa porra aí. Espertalhão não vai se criar com a gente”, diz Queiroz no áudio. Ele chega a dar dicas de como fazer indicações políticas em gabinetes de parlamentares vinculados ao clã bolsonarista , como o de Flávio.
Em depoimento à CPMI da Fake News, na quarta-feira 30, o deputado Alexandre Frota (PSDB-SP), ex-integrante da tropa de choque bolsonarista, disse que Bolsonaro lhe telefonou para pedir que “calasse a matraca” sobre Queiroz. Frota afirmou que o presidente temia que o ex-motorista fosse preso e abrisse o bico. O deputado Rui Falcão (PT-SP) explicou que isso se configura como obstrução de Justiça e pode levar o presidente a ser afastado do cargo.
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Rachadinha
Queiroz trabalhou no gabinete de Flávio durante 11 anos. No fim de 2018, o Conselho de Controle de Atividades Financeiras (Coaf) detectou uma movimentação financeira atípica na sua conta de cerca de R$ 1,2 milhão. A investigação do MP do Rio apurou que oito assessores do então deputado Flávio transferiram dinheiro a Queiroz em datas próximas ao pagamento do salário.
Entre as contratações, ele empregou Danielle Nóbrega e Raimunda Veras Magalhães — ex-mulher e mãe, respectivamente, do ex-capitão do Bope Adriano Magalhães da Nóbrega, investigado por atuar no assassinato da vereadora Marielle Franco e liderar uma milícia na zona oeste do Rio de Janeiro.
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O próprio deputado recebeu de Queiroz quarenta e oito depósitos do valor de R$ 2 mil. Até mesmo a primeira-dama Michelle Bolsonaro recebeu cheques no valor de R$ 24 mil de Queiroz. O ex-motorista lembra que não se abandona soldados feridos no meio da batalha. Alguém tem medo dos segredos que ele guarda a sete chaves?
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