‘Doping da beleza’: Os riscos do uso constante de anabolizantes para tentar atingir o ‘corpo perfeito’

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Entre as afinidades do casal Camilla e Rafael, juntos há cinco anos, uma delas é determinante para o sucesso do relacionamento: eles têm em comum a meta de fortalecer e definir seus corpos e fazem de tudo para que isso aconteça.

Aos 21 anos, os estudantes de administração e educação física – ela e ele, respectivamente – recorrem a uma alimentação regrada, atividade física diária e também a ciclos de anabolizantes – um método de injeção de hormônios que causa hipertrofia muscular.

Ele faz o tratamento com ajuda médica e aplica a si mesmo uma dose pequena de esteroides por semana. Ela pesquisa sozinha informações na internet e pede que o namorado faça a aplicação em seu corpo.

Camilla Gabriel da Silva sonha em ter curvas e músculos, e para alcançar o resultado desejado passou a usar doses de Oxandrolona e Stanozolol, substâncias que compra em sites e lojas dedicadas ao gênero na internet.

“Pesquiso muito, procuro saber o que pode causar no meu corpo e se não são anabolizantes falsos”, explica.

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‘Look bombado’

“A primeira vez que usei foi há dois anos e não fez muito resultado. Só tomar, não malhar e não se alimentar bem não ajuda, é preciso fazer o pacote todo”, emenda a morada de Inhaúma, bairro da zona norte do Rio de Janeiro, que admira o padrão “bombado” das saradas de academia.

Já Rafael recebe as orientações para uso de anabolizante diretamente do seu médico, o qual visita com regularidade há quatro meses, desde que começou um tratamento para ficar mais forte. Em pouco tempo ele passou e se sentir mais bem disposto, ter um desempenho melhor na musculação e ficou menos cansado nos treinos da academia.

“Falam tanto do uso de hormônios, mas ninguém critica o moleque de 16 anos que sai todo final de semana para beber dilacerando o próprio fígado. Se forem comprovar, as lesões de uma má alimentação são muito maiores”, opina Rafael do Nascimento, de 21 anos e futuro fisiculturista.

Ele engrossa o caldo dos defensores dos esteroides que lotam academias de ginástica e procuram médicos que topem receitá-los ilegalmente, já que a reposição hormonal é proibida para fins estéticos.

Crescimento alarmante

E o fenômeno não é isolado. Dados do mercado de anabolizantes revelam que o número de usuários não para de crescer. Só nos Estados Unidos cerca de 3 milhões de homens fora do ambiente esportivo usam esteroides, de acordo com levantamento de agosto de 2015.

Segundo a Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia (SBEM), no Brasil, um em cada 16 estudantes adolescentes já fez uso desse tipo de hormônio. É um número alarmante, de um submundo que envolve vendas em academias, laboratórios caseiros piratas, produtos falsificados no mercado e o consumo sem orientação médica.

A endocrinologista Cynthia Valério, membro da SBEM, explica:

“Não existe dose segura de anabolizante”

Segundo ela, “você só tem indicação de reposição hormonal quando há uma deficiência comprovada e diagnosticada”.

“Se você está oferecendo hormônio a mais do que já produz (no corpo), você irá necessariamente suprimir a produção endógena”, diz.

Vira e mexe ela lida com esses casos no consultório e precisa explicar aos pacientes que o método, além de inseguro, é ilegal, e, portanto, não os realiza.

Usuários ávidos por anabolizantes costumam entoar a frase que “quem cresce naturalmente é planta” e é assim que justificam, na maioria das vezes, a utilização do método.

Ignoram riscos de efeitos colaterais sérios, como tumores no fígado, impotência sexual, infarto, arritmias, derrame cerebral e até mesmo a morte.
Apesar de não viciar, o uso contínuo de esteroides pode trazer uma grande dependência, nesse caso a emocional. Ela é retroalimentada pelo bem-estar provocado através dos efeitos estéticos rápidos que o anabolizante causa.

Em alguns casos, o usuário fica cada vez mais forte e não consegue notar o exagero de músculos. A esse transtorno dá-se o nome de vigorexia.

“A grande diferença entre quem sofre de vigorexia e pessoas que somente querem ficar muito fortes é a distorção da imagem corporal. O vigoréxico se enxerga de forma distorcida e sempre menos forte do que é, além de ter comportamentos obssessivos: todo tempo livre e pensamentos são voltados a ficar mais forte, prejudicando a vida social, afetiva e até mesmo profissional”, explica a psicóloga Daniela Faertes, especialista em mudança de comportamento.

‘Consequências irreversíveis’

Um empresário de 36 anos que preferiu não se identificar e será citado nessa reportagem como Luis da Silva usa desde 2003, em ciclos, os anabolizantes Durateston, Deca Durabolin e Hemogenin. Ele viu a sua vida social melhorar consideravelmente depois que passou a “tomar bomba”, como ele mesmo diz.

“Você passa a se sentir bem pra caramba, a mulherada passa a te olhar”, explica Luis da Silva.

Luis faz parte de uma legião de usuários de anabolizantes que realiza um verdadeiro doping da beleza.

O método é o caminho mais curto para atingir padrões físicos que seriam conquistados em um tempo natural maior apenas com exercícios físicos e dieta balanceada; ou nunca conquistados, por uma falta de pré-disposição do seu biotipo físico.

“Há que se conscientizar as pessoas sobre o mal que essas substâncias causam à saúde, provocando efeitos colaterais que trazem consequências irreversíveis e podem até levar à morte”, explica Rogério Sampaio, secretário nacional da Autoridade Brasileira de Controle de Dopagem (ABCD). “O uso de anabolizantes por frequentadores de academias é bastante preocupante.”

Um dos personal trainners mais requisitados do país, o preparador físico Chico Salgado tem uma cartela estrelada de clientes, além de uma academia própria onde ensina diversos tipos de lutas para seus alunos. Ele costuma dizer que não adianta querer mudar o corpo rapidamente só para se preparar para uma data especial: é preciso conquistar a forma dos sonhos aos poucos e, o principal, mantê-la.

“Tudo que vem fácil, vai fácil. Eu sou muito contra o uso de anabolizantes até pelo alto risco de câncer”, diz Salgado, entre uma aula de luta e outra, por telefone.

Casos mal-sucedidos de uso de anabolizantes não faltam para contar a história. Um caso recente é o do cantor baiano Netinho, que há dois anos teve um sangramento no fígado causado pelo uso excessivo de anabolizantes e foi internado às pressas.

Procurado para esta reportagem, ele não quis dar entrevistas, mas sua assessora de imprensa disse por e-mail: “Ele só voltará a falar sobre esse assunto no momento do lançamento do livro que está escrevendo, chamado Nada como viver!”.

Reportagem e Foto: http://noticias.uol.com.br/saude/ultimas-noticias/bbc/2016/08/28/doping-da-beleza-os-riscos-do-uso-constante-de-anabolizantes-para-tentar-atingir-o-corpo-perfeito.htm

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